quarta-feira, 21 de junho de 2017

Lenha da melancolia









julien baker | sprained ankle

wish i could write songs about anything other than death
but i can't go to bed without drawing the red, shaving off breaths;
each one so heavy, each one so cumbersome
each one a lead weight hanging between my lungs
spilling my guts

Sem saber muito bem como, voltou a escrever no caderno das recordações. Há medo nessas palavras e nos seus pés nus, fantasmas que se libertam de músicas antigas e fendas que se abrem no chão do quarto com a primeira luz da manhã. Houve um tempo em que o amor era uma cicatriz que sangrava no seu peito. Depois, os pássaros pousaram no parapeito da janela para lhe sugerir um outro amor - novo, diferente, sem as palavras que desesperadamente procurara ouvir noutra boca. Quis abrir as portadas da janela e chamar as andorinhas da primavera. Mas esqueceu-se que as letras são a sua casa e que é só com elas - quando as escreve - que consegue voar e tocar as nuvens. As palavras são para ela a lenha da melancolia. Sempre achou que era à terra que pertencia e que era ao pé das árvores que se sentia feliz. Pelo menos era mais delas, em todos os outros sítios estava desenquadrada, fora da fotografia, sentia-se apagada, invisível. Uma espécie de sentença à solidão interior, a pior de todas, que não deixava nada nem ninguém aproximar-se dela. É assim que as poucas certezas a trazem pendurada no fio da realidade. Caminha pelos dias como quem nada espera mas, sentada à mesa, continua a escrever um mundo para lá do horizonte. A noite devolve-lhe a monotonia, o não saber que fazer ao tempo que sobra no relógio, os medos e uma casa que guarda demasiados rancores. Foge. Conhece as palavras felizes e escreve-as. Pensa como gostaria de lhas dizer ao ouvido. Mas é no silêncio que mora. É para lá que volta sempre.

2 comentários:

ana disse...

as palavras são fruto de um parto com dor. mas gosto tanto de a ler...
beijinho, Vanessa.

D. disse...

Las palabras son barcos
y se pierden así, de boca en boca,
como de niebla en niebla.
Llevan su mercancía por las conversaciones
sin encontrar un puerto,
la noche que les pese igual que un ancla.

Deben acostumbrarse a envejecer
y vivir con paciencia de madera
usada por las olas,
irse descomponiendo, dañarse lentamente,
hasta que a la bodega rutinaria
llegue el mar y las hunda.

Porque la vida entra en las palabras
como el mar en un barco,
cubre de tiempo el nombre de las cosas
y lleva a la raíz de un adjetivo
el cielo de una fecha,
el balcón de una casa,
la luz de una ciudad reflejada en un río.

Por eso, niebla a niebla,
cuando el amor invade las palabras,
golpea sus paredes, marca en ellas
los signos de una historia personal
y deja en el pasado de los vocabularios
sensaciones de frío y de calor,
noches que son la noche,
mares que son el mar,
solitarios paseos con extensión de frase
y trenes detenidos y canciones.

Si el amor, como todo, es cuestión de palabras,
acercarme a tu cuerpo fue crear un idioma.


Luis García Montero