segunda-feira, 27 de março de 2017

A little girl lost in the woods










morphine | the night

tinha uns olhos de uma tal profundidade que, a princípio, uma pessoa sentia que podia cair lá dentro como num mar, um mar de sentimento. e em seguida, deixavam de ser um mar absorvente para se transformarem em faróis dotados de uma extraordinária intensidade de visão, de consciência e de percepção. onde pousassem aqueles olhos, todos os objectos adquiriam significado. eram ao mesmo tempo tão vulneráveis e tão sensíveis que tremiam como a chama delicada de uma vela ou como o diafragma de uma lente fotográfica muito sensível, que se fecha subitamente quando a luz do dia é intensa demais. percebia-se que havia dentro dela uma câmara escura, tal como num laboratório de fotografia, na qual a exposição à luz do dia, à crueza e à brutalidade causava o aniquilamento instantâneo da imagem. aqueles olhos davam a impressão de terem uma visão do mundo mais apurada. se a sensibilidade os levava a retraírem-se, a contraírem-se rapidamente, isso não acontecia porque se protegessem cegamente, mas para poderem regressar a essa câmara interior onde se desenrolava a metamorfose, através da qual a dor pessoal se transformava na do mundo todo, e a experiência pessoal da fealdade se transformava na experiência que o mundo dela tem. ao aumentar e situar o acontecimento insuportável na totalidade do sonho, transformavam-no numa compreensão da vida, ampla e arejada, e era isso que lhe dava aos olhos um poder essencialmente triunfante, que as pessoas tomavam erradamente por força, e que era na realidade coragem.

Anaïs Nin

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